Do aquário para o mar: testemunho de mãe sobre inclusão

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Neusa Venditte, mãe de uma garota de 20 anos com síndrome de down, relata sua experiência de vida.
Por Neusa Venditte
    Tenho uma linda jovem com síndrome de Down de 20 anos e passei por muitos momentos onde tive que me posicionar fortemente a favor dos direitos que Juliana tem à vida, à educação, à saúde, etc…
    Começou em seu nascimento, numa maternidade renomada em SP, na qual o chefe do berçário não me visitou nenhuma vez como fazia com todas as mães que lá estavam para festejar o nascimento de seus filhos… Creio que ele não estava ”preparado” para os nascimentos de crianaças especiais… A deficiência era dele…
    Além disso, por minha filha ter nascido com Síndrome de Down e 2 cardiopatias gravíssimas, ele também decidiu se omitir totalmente e apesar de ser impossível não notar os problemas cardíacos que ela apresentava, segundo especialistas, ele também decidiu não me contar dos mesmos, me fazendo crer que não estava preparado para ser médico também e sua deficiência ia além do suportável, pois colocou em risco de vida e morte a minha pequenina, na época… Graças a Deus, consegui perceber com 1 mês de idade que ela estava com problemas, por intervenção de Deus, através de um sonho, eu a levei ao médico para verificar e tirar as minhas dúvidas, pois ela nunca havia apresentado sinais visíveis aos meus olhos de leiga, mas o que ouvi do cardio pediatra é que mais 15 dias minha pequena Juliana estaria morta. Foi uma luta contra o tempo, tremenda e sofrida para todos nós, mas a vencemos e ela após a cirurgia com 1 ano de idade, nasceu de novo e está uma linda jovem para nossa alegria!!!
    Conheci a APAE assim que ela nasceu, e confesso, foi outra experiência pessoal ruim. Além de não concordar com a forma como as mães eram “ensinadas” a cuidar de seus filhos, foi um ano de muitas perdas de vidas por infecções respiratórios, coração, etc e aquilo começou a me fazer muito mal e me causar muitas angústias… Até que mais uma vez fui desafiada a crer contra a esperança, com outra sentença negativa, dessa vez, da fisioterapeuta de Juliana, na APAE, que apesar de ter tocado pouquíssimas vezes em Ju, sentenciou que ela não iria andar jamais porque sua hipotonia nas perrnas era enorme e incurável…
    Foi meu momento de gritar CHEGA para tudo e para todos, inclusive tive que lutar contra idéias de familaires que só enxergavam a APAE como lugar para minha filha e me chamaram de louca por decidir retirá-la de lá. Bendita loucura e insanidade essa minha, pois através dessa decisão dei o direito da Juliana sair de um aquário e ser colocada em um mar de outras possibilidades, onde os limites seriam ditados por ela e não mais por “especialistas negligentes” e até desumanos que rotulavam as crianças de incapazes, ou decidiam que ela não teria o direito à vida por ter nascido com “defeito de fabricação” segundo a visão no mínimo desumana dessas pessoas.
   Começou , então minha luta maior contra a exclusão e a favor da inclusão há 20 anos atrás e garanto que apesar das dificuldades de hoje, as daquela época eram bem maiores…
    Enquanto aguardávamos condiçoes de peso para a cirurgia, conheci uma fisioterapeuta maravilhosa que ia à minha casa 3 vezes por semana para colocar as mãos na massa e me ensinar a trabalhar minha princesa e vencer a hipotonia que era grande mas não invencível. Entre exercícios de fisio e fono, fazia cerca de 90 exercícios por dia com Ju, aproveitava as atividades da vida diária para exercitá-la, momentos de lazer, e de todas as formas lutávamos com limites devido ao seu coração e sua fragilidade, mas nunca desistimos, nem eu dela e nem ela de si mesma.
    Ju foi tendo sua musculatura do corpo inteiro muito bem trabalhada até que com 1 ano foi submetida à cirurgia corretiva de Defeito do septo atrioventricular forma total e comunicação da aorta com a pulmonar. Juliana operou o coração com 1 ano, 5 kg e 51 cm… resistiu bravamente à luta pela vida, foi curada graças à Deus e aos profissionais maravilhosos que também existem e a seu espírito de luta em querer viver. Após a cirurgia, ela cresceu, engordou e devido ao estado de saúde estar bem melhor pudemos, então intensificar as terapias e cuidar somente da Sindrome de Down, que até aquele momento era o menor problema dela. Ju começou a andar, seus membros inferiores me deram muito trabalho, me fizeram correr muito atrás dela que adorava também correr incansavelmente pelos parques e áreas de lazer e, apesar do cansaço, como me sentia feliz e realizada em vê-la forte, feliz, musculatura rígida, nem parecia minha bonequinha de pano como a chamávamos, brincando, enquanto ela era fortalecida pela terapia.
    Depois chegou a hora de optar pela escola e aí começou nossa luta pela inclusão. Juliana sempre estudou em escolas normais, nunca em especializadas porque não acredito ser o caminho para ninguém vencer suas dificuldades. Não foi nada fácil porque os mesmos problemas e desculpas que se ouvem hoje em dia de despreparo de escolas e profissionais para atendê-la existia estampado em minha frente a cada porta que batia. A diferença é que eu me coloquei a disposição da escola e da minha filha para andarmos juntos, para dar o apoio e me comprometer em participar em tudo que a escola e Juliana precisasse de mim e fui em busca de apoio de profissionais que também tinham a mesma visão e com muita luta, muito empenho, muito comprometimento, fui desafiando as professoras e diretoras a darem oportunidades, a acreditarem em si mesmas a buscarem se informarem por si mesmas e levava informações a todo o tempo a elas e numa parceria profunda e diária fomos aos poucos vencendo as barreiras e Juliana conquistando seu espaço, lutando bravamente e vencendo seus limites, superando tudo o que aparecia a sua frente porque eu acreditava nela, a ensinei a acreditar em si mesma, a apoiava e a estimulava em seus desafios, deveres de casa, atividades de classe, e ao mesmo tempo, apoiava as professoras dando o reforço pedagógico que elas precisavam no horário alternado ao da escola e ainda tinha que conviver com o preconceito e a discriminação de pais e não de crianças que estudavam com ela.
    Juliana é uma vencedora e eu me sinto também, porque nunca desistimos, porque aprendemos a vencer desafios e sentenças contrárias desde o seu nascimento, porque nos unimos numa atitude de total cumpliscidade e amor e fomos a luta juntas,porque convidamos os nossos professores e diretores das escolas que ela frequentou que o não era uma palavra limitada, que o não por desconhecer simplesmente não bastava, que o não sei era uma palavra que poderia ser vencida e que os limites seriam ditados pela Juliana e respeitados por todos nós para que ela tivesse o direito de atingir os objetivos, as metas aproveitando as oportunidades de acordo com o seu potencial e não os medos, preconceitos ou cegueira moral de ninguém.
    Aprendi e me formei no que sou hoje: um ser humano muito melhor, muito mais feliz, uma pedagoga e coodenadora de um Projeto que realiza esse apoio que aprendi a dar às escolas, famílias e às nossas crianças com a minha luta por minha filha que é um exemplo de superação para mim e para todos que a conheceram e convivem com ela.
    Incluir é sair da acomodação, pais, educadores e empresários, governantes e na convivência e relaçoes sociais dar as oportunidades iguais para todos. Incluir, professores, é vocês irem atrás de informações e formação sem se esconderem atrás dos seus diretores e de si mesmos porque o que não falta é acesso a essas informaçoes e formação desde que vocês queiram se comprometer com a educação e a formação de sujeitos ativos que constroem conhecimento o tempo todo e sairem do papel de transferidores de conhecimento, aliás de responsabilidades também, porque a partir do momento que você escolheu ser um educador assuma o seu papel e saiba que você lida com vidas e terá que se formar e informar constantemente porque a vida está em movimento.
    E nós , familiares fazemos parte desse contexto, dessa luta e não devemos delegar às escolas, aos educadores aquilo que cabe a nós fazermos, a todos os pais e não só a pais de crianças especiais, acompanharmos diáriamente aos nossos filhos, sermos parceiros participantes de seus desafios, formação e crescimento por toda a vida.
    Sou uma mulher ,uma mãe e uma profissional feliz e realizada e devo isso a oportunidade que Deus me deu em conviver com a minha Juliana que me desenvolveu como ser humano me tornando muito maior e melhor… Espero ter colaborado …um grande abraço…



Neusa Venditte, mãe de Vanessa, Matheus e Juliana com SD.
Fonte: Inclusive - São Paulo - SP, 17/03/2011 - Imagem Internet

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