Campeã paralímpica de atletismo vai fazer o Enem para estudar economia

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Verônica Hipólito, de 17 anos, teve AVC e convive com tumor na cabeça.
Jovem campeã mundial sonha em disputar paralimpíada de 2016, no Rio.

 Verônica Hipólito, de 17 anos, campeã
paralímpica de atletismo
A campeã paralímpica Verônica Hipólito vai fazer as provas do Enem (Foto: Fernando Nonato/G1)A atleta paralímpica Verônica Silva Hipólito, de 17 anos, acabou de chegar da Argentina, onde ganhou três medalhas de ouro nas corridas de 100 e 200 metros e no salto em distância nos Jogos Parapan-Americanos de Jovens. Neste sábado (26) e domingo (27), a jovem de Santo André (SP) vai encarar uma prova muito mais longa, cansativa e decisiva: o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) . Verônica integra a equipe da seleção brasileira, cursa o 3º ano do ensino médio, e neste ano divide o tempo entres os treinos e os estudos para o vestibular.

Verônica sofreu há dois anos um acidente vascular cerebral (AVC). Antes, tinha diagnóstico de um tumor na cabeça, passou por uma cirurgia, contrariou as previsões médicas e se recuperou, mas um novo tumor apareceu no ano passado e é controlado por medicamentos. Como sequela do AVC ela perdeu parte dos movimentos do lado direito do corpo, tem pouca força na perna e na mão, e não levanta o braço completamente.

Até os problemas aparecerem, Verônica disputava competições de atletismo "olímpico". Em abril deste ano, no entanto, ela passou a competir como atleta paralímpica. Ela é a recordista do salto em distância entre as atletas das Américas – marca conquistada no Parapan. Seu maior feito, por enquanto, é a conquista da medalha de ouro nos 200 metros no Mundial Paralímpico de Atletismo, em Lyon, na França, em julho deste ano.

Além do esporte, Verônica leva a sério a dedicação aos estudos. O Enem permite que estudantes com alguma deficiência, como ela, solicitem no ato da inscrição um atendimento especial durante a prova. Isso dá ao candidato o direito de ter um tempo mais longo para finalizar as questões. Verônica, porém, abriu mão do benefício.

A estudante é destra, mas como não tem muita força nas mãos, teve de aprender a escrever com a esquerda também, mas nesta lhe falta coordenação. Em provas de longa duração, como o Enem, ela costuma revezar as mãos para escrever.

Com o Enem, pretende disputar uma vaga para ciências econômicas na Universidade Federal do ABC (UFABC). Após o exame, a estudante fará os vestibulares da Fuvest, Fundação Getulio Vargas (FGV) e PUC-SP para a carreira de economia.

A jovem estuda pela manhã no Colégio Singular, de Santo André, no ABC, e às quartas-feiras costuma ficar o dia todo na escola para reforçar o conteúdo para o vestibular. Nas tardes dos outros dias da semana, Verônica treina e faz ginástica em academia para ganhar força e resistência. Seu grande sonho no esporte é disputar os Jogos Paralímpicos de 2016, no Rio.

"Antes fazia uma questão muito afobada, hoje percebo que posso seguir meu tempo, sou mais confiante. Numa competição eu penso: se eu treinei posso ir bem, então se eu estudei, por que não posso também?"

'Atleta não é para sempre'

Apesar da paixão pelo atletismo, Verônica não quer estudar educação física e também nunca pensou em não fazer faculdade por achar que "a carreira de atleta não é para sempre." O curso escolhido na inscrição dos vestibulares é economia.

"Nunca passou pela minha cabeça trabalhar com educação física. Conversei com alguns profissionais, e acho que eu não me daria bem. Eu não sei jogar vôlei, meu reflexo é lento, eu me daria mal. Desisti da ginastica olímpica porque não conseguia dar uma estrelinha. Sou um fracasso nos outros esportes", diz. No curso de economia, Verônica pretende aprender mais sobre mercado, planejamento e estratégia. "Quem sabe até não posso trabalhar nos comitês olímpicos?"

Com o esporte, a estudante afirma que aprendeu a controlar a ansiedade na hora de fazer as provas da sala de aula. "Hoje eu vou para uma prova bem mais calma. Lembro que vou ter uma hora e meia para fazê-la, não 13 segundos [tempo da prova de 100 metros]. Antes fazia uma questão muito afobada, hoje percebo que posso seguir meu tempo, sou mais confiante. Numa competição eu penso: se eu treinei posso ir bem, então se eu estudei, por que não posso também?"

Verônica conta que durante o Parapan da Argentina na semana passada levou os cadernos da escola para rever as matérias para o Enem. Ela acredita que o padrão da prova vai se manter. “São questões interdisciplinares, no ano passado achei as de humanas mais complexas, e as exatas mais fáceis. Na redação não sei o que vai ser, mas estou me mantendo atualizada.”

Nestes últimos dias antes do Enem, a jovem não vai abandonar os estudos. Ainda vai fazer uma prova de português, rever as matérias e ler atualidades. “Vou querendo dar o meu melhor. Eu não tive tanto tempo para estudar, mas o Enem não tem segredo, não exige fórmulas, é raciocínio. Estou preparada para uma prova longa."

"Minhas amigas diziam que eu era rabugenta, hoje eu brinco, saio, conheci pessoas maravilhosas nos paralímpicos. Eu passei a me sentir muito bem, sou feliz, não tenho nada para reclamar"

'Nada para reclamar'

O tumor diagnosticado em novembro de 2009 inchou e sangrou, o que poderia ter provocado a morte de Verônica ou sequelas como a cegueira. Sua recuperação desafiou a medicina que não soube explicar como ela ficou bem. O novo tumor detectado no ano passado não tem indicação cirúrgica porque houve uma regressão no tamanho.

“Eu controlo com remédio, não posso sofrer pancadas fortes na cabeça, mas considero que tenho uma vida tranquila, às vezes sinto tontura, mas já é normal, não me limito a nada. O remédio me dá sono, tomo três vezes por semana à noite, aí fico cansada e sinto irritação, meus amigos me aturam pra caramba", diz, aos risos.

Verônica não se revolta com os problemas de saúde que a afetam. Ela diz que depois que teve o AVC e passou a disputar como atleta paralímpica, se tornou uma pessoa melhor.

“Minhas amigas diziam que eu era rabugenta, hoje eu brinco, saio, conheci pessoas maravilhosas nos campeonatos paralímpicos. Eu passei a me sentir muito bem, sou feliz, não tenho nada para reclamar. Nas competições, um deficiente brinca com outro, tira sarro da deficiência, é engraçado. Não dá para ficar reclamando, tem de aprender a conviver com a deficiência e entender que ela vai te trazer coisas boas.”
Verônica mora em Santo André e cursa o 3º ano do ensino médio (Foto: Fernando Nonato/ G1)
 

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