Cérebro recarregado
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São Paulo difunde para todo o país a cirurgia inovadora e pouco invasiva que promete devolver qualidade de vida a pacientes com mal de Parkinson e epilepsia
O mal de Parkinson começou a se popularizar quando personalidades como o ator americano Michael J. Fox, o pugilista Muhammad Ali e o papa João Paulo II levaram a doença a público. Mas foi o tempo em que os tremores, a rigidez muscular e a diminuição da mobilidade limitavam a vida dos parkinsonianos. Com o avanço da medicina nas últimas décadas, um tratamento tem colocado um ponto final nesses transtornos: a estimulação elétrica de alta frequência enviada por meio de eletrodos implantados no cérebro. Para que a técnica conhecida como DBS (Deep Brain Stimulation) beneficiasse pacientes de todo o país, a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo realizou um curso destinado a médicos no Hospital de Transplantes Doutor Euryclides de Jesus Zerbini (antigo Hospital Brigadeiro). “Apesar de não ser nova, é uma técnica de alta complexidade que, lamentavelmente, poucos dominam. Então, a nossa ideia foi compartilhá-la com médicos de todo o Brasil que demonstravam interesse em aprender. E o sucesso foi tanto que já temos mais de 250 inscritos para as próximas edições. Pretendemos organizar duas no ano que vem para dar conta da demanda inicial e, depois, faremos cursos anuais”, diz o coordenador do departamento de neurologia do hospital, Arthur Cuckier.
Durante a primeira edição do projeto, 93 neurologistas e neurocirurgiões de 18 estados brasileiros assistiram aulas teóricas, transmissão ao vivo de cirurgias e participaram de workshops para aprender a manusear o equipa mento. O princípio da técnica é simples. Como o cérebro funciona pela condução de impulsos elétricos, os eletrodos implantados atuam em regiões onde a enfermidade provocou a degeneração e morte dos neurônios produtores de dopamina (neurotransmissor responsável pela transmissão de sinais na cadeia de circuitos nervosos). Em cerca de quatro horas de cirurgia, um fio de irídio com quatro polos de platina na extremidade, revestido por silicone, é introduzido em um orifício de 14 milímetros aberto no crânio. Para que o fio – que age como condutor de descargas elétricas, compensando a ausência de dopamina – não saia do lugar, uma trava é colocada na entrada do corte. Por enquanto, a bateria introduzida no tórax (semelhante a um marcapasso) que permite o funcionamento dos eletrodos precisa ser trocada a cada cinco anos, mas, a partir deste ano, chegarão ao mercado baterias recarregáveis, projetadas para durar dez anos, em média.
O procedimento é indicado apenas para a minoria dos casos, quando os medicamentos não promovem a cura. “Cerca de 1% da população acima de 50 anos vai desenvolver Parkinson. Desses, 80% conseguem ter o problema resolvido com remédios, enquanto os outros 20% ou não respondem aos medicamentos ou os remédios só fizeram efeito na fase inicial. Esses são os pacientes que nós vamos operar, e são muitos. O número só não é maior porque as pessoas ainda desconhecem o tratamento e ele é caro”, informa o médico, garantindo que os riscos são mínimos.
“Ao contrário da cirurgia antiga, que podia lesar regiões cerebrais importantes, a técnica da estimulação com eletrodos é muito precisa e traz excelentes resultados, mas, se por acaso alguma coisa der errada, é só desligar o estimulador. Parece mágico, porque basta ligar o aparelho para o paciente parar de tremer. Quanto aos fenômenos intelectuais relacionados à fase avançada da doença, também são mais facilmente tratados pela fisioterapia e terapia ocupacional quando o paciente não está tremendo e enrijecido”, afirma.
Vida nova
A doença descoberta em 1817 pelo médico inglês James Parkinson pode comprometer desde a realização de atividades simples até as mais complexas. Foi o que aconteceu com o analista de sistemas, Carlos Alberto Rizo, 41, que, contrariando as estatísticas, desenvolveu a enfermidade com apenas 27 anos. Vítima do Parkinson juvenil, ele passou três anos sem descobrir a causa dos tremores que afetavam os membros do lado direito do seu corpo e por que não conseguia mais escrever com desenvoltura. “Tenho a doença desde 96, mas ela só foi detectada em 2000. Até descobrir, tomei vários tipos de remédios, fiz muitos tratamentos, mas percebia que estava piorando gradativamente. Depois que fui diagnosticado, comecei a tomar medicamentos para a doença, o que também não resolveu muito. Após ser operado no Hospital de Transplantes, este ano, respondi muito bem, a minha melhora foi de 70 a 80%, mas à medida que o aparelho for sendo ajustado à medicação, a tendência é melhorar ainda mais”, conta.
As 150 cirurgias realizadas no hospital ao longo de quatro anos foram feitas em pacientes com mal de Parkinson e epilepsia, doença caracterizada pela alteração da atividade elétrica do cérebro. “Os quadros de epilepsia, que nada mais é do que uma hiperatividade elétrica cerebral, em determinados locais costumam ser mais graves. Mas, na ordem de 80%, obtemos bons resultados. Temos a possibilidade de inibir a região do cérebro onde as crises estão começando ou atuar na via de saída dessa anormalidade, dando um choque para controlá-las”, explica Cuckier. De acordo com o médico, a melhor forma de diagnosticar ambas as doenças é ficar atento aos sintomas, movimentos involuntários e rigidez muscular quando há suspeita da doença de Parkinson, e crises convulsivas no caso da epilepsia. Procurar um neurologista no estágio inicial pode fazer toda a diferença. “Mais de 80 mil pessoas foram submetidas a esse tipo de tratamento no mundo e, no decorrer dos anos, a procura tem aumentado. Só no Hospital de Transplantes, temos uma fila de 90 pessoas aguardando”, conclui.
Serviço
Hospital de Transplantes Doutor Euryclides de Jesus Zerbini
Av. Brigadeiro Luís Antônio, 2651 – São Paulo -SP
(11) 3170-6100
E-mail: admbrigadeiro@spdm.org.br
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