Mercado de produtos para pessoa com deficiência deve crescer 20% neste ano
Compartilhe
O Brasil
acostumou-se nos últimos anos a notícias sobre a pujança da economia doméstica.
Dentre tantos setores beneficiados um se destaca pelo fato de que seu avanço é
sinônimo de inclusão e melhoria da qualidade de vida de uma enorme população
que, há décadas, esteve marginalizada: as pessoas com deficiência (PcD). O
mercado de bens e serviços de tecnologia assistiva – voltado não apenas ao
público que nasceu ou adquiriu ao longo da vida algum problema físico, visual,
auditivo, etc, mas também ao crescente número de idosos no país – movimentou cerca
de 1,5 bilhão de reais em 2011. A projeção em 2012 é de elevação de 20% do
faturamento. Os dados são do Grupo Cipa Fiera Milano, organizador da XI Feira
Internacional de Tecnologias em Reabilitação, Inclusão e Acessibilidade
(Reatech), que aconteceu este mês em São Paulo.
O crescimento
do mercado de tecnologia assistiva deve-se a uma conjunção de fatores: desde a
melhoria geral do ambiente econômico, passando pelo aumento do emprego das
pessoas com deficiência, até a oferta de crédito especial por alguns bancos
(veja quadro com mais detalhes). Há ainda grande expectativa no setor em 2012
com o impacto do Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Viver
sem Limite), lançado em novembro pelo governo federal. No Brasil, segundo dados
preliminares do Censo de 2010, existem cerca de 45 milhões de pessoas com
deficiência, o equivalente a 23% da população.
Automóveis –
O segmento de automóveis é um dos que mais tem se beneficiado com o interesse
das pessoas com deficiência. Do total movimentado pelo mercado de produtos de
tecnologia assistiva no ano passado, cerca de 800 milhões de reais
originaram-se apenas da compra e adaptação de veículos. Além do desejo natural
de conquistar independência de locomoção, as vendas são favorecidas por preços
mais convidativos. Afinal, as PcD’s podem comprar carros com isenção de Imposto
sobre Produtos Industrializados (IPI), Imposto sobre Operações Financeiras
(IOF), Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e Imposto
sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA).
A Cavenaghi –
empresa do ramo de adaptações veiculares, que possui duas lojas e 40 concessionárias
autorizadas no Brasil – prevê expansão de 20% no faturamento neste ano. Hoje a
companhia adapta e transforma anualmente cerca de 5.000 carros. Cada consumidor
gasta entre 800 e 6.000 reais em produtos da linha de direção, por exemplo. “O
mercado está sofrendo muita mudança, principalmente graças à Lei de Cotas.
Quando essas pessoas entram no mercado de trabalho, elas começam a ser
remuneradas e a consumir”, diz Monica Cavenaghi, diretora comercial da empresa,
que planeja abrir mais seis lojas até o final do ano em cidades-sede da Copa do
Mundo. Criada em 1991 e regulamentada em 1999, a lei determina que empresas com
mais de 100 colaboradores têm de incluir homens e mulheres com deficiência em
seus quadros de profissionais. Do total de pessoas nesta condição no país,
cerca de 11 milhões têm capacidade laboral, segundo estimativas do Ministério
do Trabalho (MTE).
Estrangeiras
de olho – Diante da perspectiva de crescimento bastante limitado dos mercados
tradicionais de bens e serviços para PcD’s, como a Europa e os Estados Unidos,
algumas empresas estrangeiras começam a traçar projetos de longo prazo para
países emergentes como o Brasil. A prestigiada alemã Otto Bock – presente no
mercado doméstico há 37 anos como fornecedora de próteses – começou a trazer
mais recentemente para o país cadeiras de rodas e órteses (estruturas que
auxiliam na melhoria das funções do corpo) e já faz novos planos. “Estudamos a
possibilidade de ter uma produção local com o objetivo de fazer produtos mais
adequados ao perfil do brasileiro”, afirma Wilson Zampini, diretor da empresa
na América Latina.
Enquanto não tem fábrica no país, a companhia reclama da demora para obter autorização de importação na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Mesmo que, muitas vezes, seus produtos já possuam certificações europeias e americanas, a demora do órgão para liberar um bem que se almeja trazer do exterior pode levar de seis meses a um ano. Procurada pelo site de VEJA, a agência explica que a demora na aprovação geralmente ocorre pelo não cumprimento das exigências.
Enquanto não tem fábrica no país, a companhia reclama da demora para obter autorização de importação na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Mesmo que, muitas vezes, seus produtos já possuam certificações europeias e americanas, a demora do órgão para liberar um bem que se almeja trazer do exterior pode levar de seis meses a um ano. Procurada pelo site de VEJA, a agência explica que a demora na aprovação geralmente ocorre pelo não cumprimento das exigências.
Programa
governamental – Especialistas ouvidos pelo site de VEJA afirmam que o programa
“Viver sem Limite” de 2011 coroa quase duas décadas de paulatino amadurecimento
institucional em prol da inclusão plena da pessoa com deficiência na sociedade
– e também na economia. Com previsão orçamentária de 7,6 bilhões de reais até
2014, o plano inclui linhas de financiamento para empresas especializadas em
tecnologia assistiva, crédito para o consumidor final com juros inferiores aos
de mercado, compras governamentais para adequação de escolas e moradias
populares, além do fortalecimento de ações de reabilitação.
As mudanças
legais e econômicas nesta área são merecedoras de comemoração, mas ainda há
muito a evoluir. “Os avanços são inegáveis, mas as condições de trabalho para
as pessoas com deficiência, por exemplo, podem melhorar sobremaneira”, diz a
consultora Carolina Ignara, da Talento Incluir, que ajuda empresas a contratar
PcD’s. De acordo com ela, as principais dificuldades enfrentadas são a falta de
cultura inclusiva no país, o reduzido entendimento sobre a Lei de Cotas e o
déficit sociocultural da pessoa com deficiência. “Gestores despreparados pela
cultura social, empresas contratando para cumprir cota e pessoas com
deficiência sem saber seus direitos e deveres. Por isso, defendo que a inclusão
deve investir em cultura. O entendimento leva ao respeito e aumenta as chances
de sucesso”, completa.
Deficiência x
renda – De acordo com o Relatório Mundial Sobre Deficiência, da Organização
Mundial de Saúde (OMS), há uma prevalência maior de deficiência em países de
renda baixa que em nações de rendimento mais elevado. Grosso modo, os mais
pobres, desempregados e com baixa qualificação profissional estão expostos a um
risco mais alto de se enquadrar também nesta condição. “É preciso entender a
deficiência como um fator que se insere na relação entre a limitação funcional
e o ambiente em que ela está inserida”, diz Luis Mauch, coordenador-geral da
Mais Diferenças, organização da Sociedade Civil (OSCIP) especializada em
educação e cultura inclusivas. Na avaliação dele, esse mercado ainda tem muito
a se expandir no Brasil em comparação a economias mais maduras, como a
Alemanha, por exemplo, que investiu muito em políticas e tecnologia para
inserir pessoas com deficiência no pós-guerra. “Quanto mais adequado for o
ambiente, melhores ficam as condições para as pessoas com deficiência. Entender
isso gera oportunidades e é bom para a economia. Essas pessoas querem ser
incluídas e cobradas”, acrescenta.
Impostos –
Renato Laurenti, cadeirante há 28 anos e sócio da Comoir, empresa de e-commerce
especializada em produtos para pessoas com deficiência, afirma que o poder
público pode contribuir muito para esse mercado por meio da redução de impostos
e desoneração da cadeia produtiva. Para ele, o número de empresas no mercado
nacional ainda é restrito e, por isso, muitos artigos têm de ser importados.
“Esse tipo de produto é prioritário, pois garante qualidade de vida e
independência para essas pessoas, mas alguns ainda são muito caros”, diz. “Fico
o dia inteiro sentado na minha cadeira. Se ela não for bem feita, com boa
almofada, não aguento ficar. As cadeiras nacionais vêm melhorando, mas ainda
não se comparam com as importadas em atributos como peso, conforto e
mobilidade”, lamenta.
O empresário
Vitor Hugo Silveira, da Altra Importação & Exportação, que traz do exterior
produtos de uso diário, como talheres e alcançadores, concorda que a tributação
é um grande problema. “Alguns produtos que não têm sofisticação, mas que ajudam
na rotina, como talheres, acabam taxados na mesma categoria de produtos
normais”, explica. Um exemplo dado por ele é um prato com bordas mais altas e
ventosas para prender na mesa. A empresa o compra da China por cerca de 7 reais
(4 dólares) e é obrigada a revendê-lo por 42 reais no mercado interno. Vinte
reais do preço total referem-se apenas à tributação.
A despeito de
tantos problemas, cegos, surdos, pessoas com deficiência física, idosos com
problemas de mobilidade, etc, conseguem viver melhor hoje que décadas atrás. A
conquista é mérito de todos: legisladores, governos, entidades sociais,
empresários e das próprias pessoas com deficiência. O futuro inspira esperança.
Contudo, cabe ao poder público – municipal, estadual e federal – papel ainda
mais destacado. Como muitos bens e serviços, pela combinação de oferta restrita
e impostos altos, ainda têm preços proibitivos para a maioria da população com
deficiência, os governos poderiam guardar parcela da exorbitante arrecadação de
impostos para apoiar este grupo com políticas públicas. Na Europa, não é raro
que um cadeirante vá a uma feira como a Reatech, escolha a cadeira de seus
sonhos e volte para casa, onde redige o pedido para compra do equipamento a ser
endereçado ao governante local. E o mais interessante é que ele é atendido. O
Brasil ainda tem de avançar muito para chegar lá.
Fonte: Veja Online

Nenhum comentário:
Postar um comentário
Seu Comentário é muito importante para nós.