Professora vira referência no combate à violência contra mulheres surdas

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Laiza Rebouças, professora com formação em letras e direito no Centro de Capacitação de Profissionais da Educação e de Atendimento às Pessoas com Surdez – CAS Wilson Lins, em Salvador.

Além das quase 180 mil mortes no Brasil, a pandemia do novo coronavírus também tem contribuído para o aumento de outra preocupante pandemia paralela: a da violência doméstica contra mulheres em isolamento social.

E, se denunciar os abusos já é difícil para muitas mulheres que estão confinadas com seus agressores, pode ser ainda mais complicado para um grupo em especial: o das mulheres surdas.

“A violência doméstica aumentou muito e para as surdas é completamente diferente e ainda pior”, diz Laiza Rebouças, professora com formação em letras e direito no Centro de Capacitação de Profissionais da Educação e de Atendimento às Pessoas com Surdez – CAS Wilson Lins, em Salvador. “Elas têm uma língua própria e diferente para se comunicar e não encontram acessibilidade nas instituições públicas para denunciar, pedir socorro ou buscar seus direitos.”

Laiza sabe do que fala. Além de lidar diariamente com essas mulheres em sala de aula, ela também é surda e, fora do expediente, milita pelos direitos dessas mulheres, o que, no passado, acreditava ser incompatível com a sua condição.

Descoberta da identidade

Até os 16 anos, Laiza, que foi diagnosticada surda ainda menina, mal se comunicava. Foi por esforço próprio e com a ajuda de pessoas surdas que, por volta dessa idade, aprendeu e ficou fluente em Libras (Língua Brasileira de Sinais).

“A partir dali descobri a minha identidade, me senti segura. Assim, comecei a estudar letras pela Língua Brasileira de Sinais e a minha visão se abriu para um novo horizonte”, explica. “Foi muito difícil, muita dedicação, muitas leituras. Perdi e recuperei matérias. Até me formar, foram seis anos de graduação e precisei de acompanhamento de intérpretes de Libras, e também ajuda de alguns colegas queridos que me deixavam copiar seus cadernos.”

Mesmo com todas as dificuldades, em 2012 ela conseguiu se formar por uma universidade federal e, em 2017, concluiu a segunda graduação, em direito.

“A maioria não consegue fazer boletim de ocorrência”

Depois de muitas provações, Laiza conseguiu arranjar um emprego de professora e, em 2019, teve a ideia de criar um canal de orientações jurídicas em Libras no YouTube e em outras redes sociais, como Instagram e Facebook. O JusLibras (sigla de Justiça em Libras), embora não seja exclusivamente voltado para mulheres surdas, aborda e responde em vídeos muitas questões de interesse delas. Um dos principais tópicos tem sido a violência doméstica.

“A maioria não sabe ou não consegue tomar atitudes, como ligar para a polícia, fazer boletim de ocorrência ou registrar agressões físicas no IML [Instituto Médico Legal]”, diz Laiza. Segundo ela, toda semana pelo menos três mulheres surdas a procuram. “Converso com as que me enviam emails ou mensagens por WhatsApp e tento orientar o melhor caminho para buscar seus direitos.”

Foi o que fez Karla*, que sob a condição de não ter seu nome revelado, conta sua experiência com o JusLibras: “Estava com problemas e o proprietário da minha casa me expulsou e me impediu de entrar nela. Como não me comunico bem, a Laiza me ajudou a registrar uma queixa na delegacia”

A professora ainda é membro ativo de vários grupos na internet direcionados para pessoas surdas e que debatem temas como feminismo e diversidade racial e sexual e também ministra palestras sobre direitos da mulher e violência. Em janeiro, lançará um curso online sobre leis e acessibilidade para surdos e espera criar outro só para mulheres.

Ajuda para sair de casa e no pedido de pensão

Com a repercussão do seu trabalho, em grande parte voluntário, Laiza conta que já salvou a vida de dezenas de mulheres surdas não apenas no seu estado como no Brasil todo. Para isso, diz que o apoio da comunidade surda é fundamental. “Muitos sabem da minha iniciativa”, diz.

Entre as vítimas de violência doméstica que ela socorreu está Lavínia*, outra mulher surda que concedeu entrevista sob a condição de não ser identificada. Por não conseguir se comunicar em português, foi Laiza também quem traduziu seu relato:

“Sofri muito, a ponto de parar no hospital e ser expulsa de casa com meu filho de apenas um mês de vida. Procurei Laiza pelo JusLibras e conversamos por videochamada em Libras”, diz.

“Estava desesperada e só consegui contar a minha situação porque meu ex estava fora e me trancava ora na cozinha, ora no banheiro. Hoje, estou com meu filho na casa de minha mãe, em outro estado, e Laiza está me ajudando com um processo para obtenção de pensão alimentícia.”.

Lavínia* conta que procurou a polícia diversas vezes, mas nunca encontrou alguém que pudesse atendê-la em Libras, nem pelos números 100 (Disque Direitos Humanos), 190 (Polícia Militar) ou 180 (Central de Atendimento à Mulher).

“Menos perigosos”

Nesse contexto, ela expõe outro agravante da situação que Laiza confirma: o de que, quando o agressor também é surdo, as autoridades fazem vista grossa por considerá-los “incapazes” ou “menos perigosos”.

“Mesmo depois das agressões físicas e verbais que sofri, meu ex continua livre, como se nada tivesse acontecido”, diz Lavínia. Laiza diz que os casos não são exceção. “Uma vez estava em uma live em grupo quando uma das participantes foi empurrada e puxada pelo namorado. Ele pediu desculpas e tal, mas desconfiei, pelo olhar da vítima, de que ela não estava bem e alertei meus contatos do grupo de feminismo para procurar alguma conhecida dela”, explica a professora.

“Depois de uma semana, a polícia prendeu o rapaz. Mas, acredite, por apenas um dia, para que ela conseguisse sair da casa, e hoje ele está solto. Por isso a minha luta, espero conseguir quebrar essas barreiras na área jurídica.”

Universa entrou em contato com as ouvidorias dos números 100, 190 e 180 sobre a acessibilidade para surdos, mas até a publicação desta reportagem não obteve respostas.

Fonte: Universa – Uol

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