Claudia Marques Maximino
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A Associação Brasileira dos Portadores da Síndrome da
Talidomida (ABPST) completou 20 anos em 2012. Sua fundadora continua como
presidente, depois de ininterruptas reeleições, sempre na luta que se tornou
seu projeto de vida...
Nascida em 1962, sem as duas pernas e um braço e com o
outro com sequelas, Cláudia Marques Maximino foi vítima da Talidomida, um
medicamento nascido na Alemanha em 1954, inicialmente como sedativo. A droga
foi muito usada em enjoos na gravidez, não só no Brasil, mas em várias partes
do mundo. Ela provoca nos bebês, aproximação ou encurtamento dos membros e
também problemas visuais, auditivos, da coluna vertebral e, em casos mais raros,
do tubo digestivo e problemas cardíacos. Seus terríveis efeitos em mulheres
grávidas foram descobertos em 1960 e a comercialização banida em 1961, mas o
Brasil só tomou essa atitude em 1965.
Com o tempo, descobriu-se que a droga pode ser benéfica em casos de hanseníase,
AIDS, Lupus, doenças crônico-degenerativas, câncer e transplante de medula, mas
em 1994, saiu a Portaria 63, a primeira que proibiu o uso da Talidomida para
mulheres em idade fértil em todo o território nacional.
Formada em administração de empresas e pós-graduada em recursos humanos, tendo
trabalhado inclusive em empresas aéreas treinando funcionários para atuarem
junto a pessoas com deficiência, nos últimos dois anos ela deixou o mercado
formal de trabalho para dedicar-se apenas à associação. Um dos resultados é o
documentário: "Tá faltando alguma coisa", lançado em dezembro
passado, em comemoração aos 20 anos de luta para garantir um mínimo de
dignidade e reparação às pessoas atingidas pela Talidomida.
Cláudia foi a entrevistada da primeira edição da Revista Reação, em 1997. E
agora, em entrevista exclusiva, depois de 15 anos, volta a falar sobre a
Talidomida, seu trabalho frente à ABPST e seus planos de futuro.
Revista Reação - Quantas pessoas apresentam
sequelas da Talidomida no Brasil?
Cláudia Marques Maximino - Aqui no Brasil, a última informação do INSS foi 837
pessoas, mas nesse cadastro temos que considerar alguns que faleceram, porque
eles deram o número total dos benefícios pagos até hoje (a Lei 7.070, de
20/12/1982, garantiu uma pensão vitalícia, variando de acordo com o grau da
deficiência). Outros benefícios estão sendo revistos, então acho que podemos
trabalhar numa faixa de 700 a 750 pessoas em nosso País. No mundo, uns falam em
10 mil, outros 12 mil, teve gente que já falou em 15 mil pessoas, mas acho que
dá para trabalhar com cerca de 12 mil. Só na Alemanha foram 3 mil casos. É o
principal país, o que apresenta maior número. Temos 200 na Suécia e por aí vai.
O Brasil só ficou com esse número grande porque não houve cuidado, tivemos
vítimas de segunda e terceira geração.
RR - Por que se fala em
vítimas de segunda e terceira geração ?
CMM - A primeira é quando não se sabia os efeitos da droga e foi receitada
pelos médicos para enjoo. A segunda, apesar de se saber os efeitos da droga, o
Brasil continuou a receitar para hanseníase, problemas de pele e outros. A
terceira é quando já se sabia sobre os efeitos colaterais, já se tinham normas,
legislação e, mesmo assim, os médicos não fizeram direito, a prescrição foi incorreta
e continuaram os nascimentos.
RR- Hoje em dia, a proibição
para o uso em mulheres em idade fértil está sendo cumprida à risca ?
CMM- A gente sempre vai ter o risco de ainda ter crianças nascendo, mas aí é o
Ministério Público que deve apurar as causas e punir o médico ou o próprio
paciente que, por qualquer motivo, tenha tomado errado. O Estado tem que
penalizar criminalmente com base na resolução de 2010,que é a mais completa,
quando se conseguiu compilar todas as normas e portarias. Ainda não está boa ?
Não ! Tem que ser melhorada sempre, porque nesse país tudo é muito dinâmico.
Depois que foi feita, vimos, por exemplo, que o usuário pode ficar 15 dias com
a receita em todos os estados. Aí, até por recomendação das pessoas que
trabalham na área de saúde, vimos que não podemos nivelar por baixo, então nos
grandes centros, a receita só poderia ter validade, talvez, por 24 horas,
passou disso ela vai ter que buscar o médico de novo. Para lugares muitos
distantes, como na Amazônia, que a pessoa tem que pegar barco para chegar num
posto de saúde e às vezes demora uma semana, aí sim dá um prazo maior para que
a receita fique com o usuário. Então isso é uma melhora que temos que fazer na
resolução, estamos pleiteando essa mudança. A ANVISA está fazendo os treinamentos
nas bases, tentando colher mais informações, porque uma coisa é o que se
escreve e outra coisa é a prática, os programas que utilizam os medicamentos
ainda são precários, o pessoal ainda precisa ser mais cuidadoso nessa
prescrição.
RR - O que levou você a
começar esse contato com outras pessoas vítimas da Talidomida, culminando com a
criação da Associação ?
CMM - Eu tinha muita dificuldade em trabalhar, operava com telemarketing na
minha própria casa, na época nem era muito conhecido, mas um professor de
faculdade tinha uma empresa e acabei trabalhando para ele. Esse mercado era
muito difícil e eu vi que tinha direito a uma pensão que não estava sendo paga
(Lei 7.070), que estava muito defasada e resolvi colocar um anúncio no jornal
procurando outras pessoas, em 1991. Aí foram indicando mais gente e a
associação nasceu oficialmente em outubro de 1992. Independente de ser ou não
associado, mandamos informações, mandamos tudo. Digamos que eu tenha 500 dessas
700 pessoas associadas.
RR - Há 20 anos certamente os
preconceitos eram muito maiores. Como você avalia a evolução da sociedade em
relação às vítimas da Talidomida e as pessoas com deficiência de maneira geral
?
CMM - Em relação às vítimas da Talidomida, acho que avançamos porque as pessoas
já não se assustam, já não existem tantos preconceitos. Em 91 diziam:
"estamos acostumados em ver gente em cadeira de rodas, mas gente sem
braço, sem perna, não". Com a divulgação da associação, com tantas
campanhas, saiu muito na mídia, as pessoas se acostumaram mais com as nossas
deficiências, o que deu abertura também para outros problemas genéticos. Acho
que em relação a todas as deficiências, melhorou. Hoje as pessoas já não olham
tanto para a gente com aquela curiosidade, cara de assustado. Mas, em relação
às leis, apesar de estar tudo aí, a gente não vê o cumprimento de nada, não vê
o avanço, temos que brigar por uma simples vaga reservada para pessoa com
deficiência. É muito triste a falta de educação da sociedade, as pessoas usam a
vaga na maior cara de pau e acham que estão corretas, então acho que não
avançamos. E também não tenho visto lideranças novas. Na questão do esporte
está ótimo, tem muita gente ganhando medalha e tudo, parece que a gente serve
mesmo para ganhar medalha, desculpe, é o que eu penso. Falta mais empenho das
secretarias voltadas a pessoas com deficiência, fazer políticas públicas, ainda
falta sensibilidade dos nossos políticos, estão ainda muito olhando para o
próprio umbigo.
RR - Quais as principais
conquistas nesses 20 anos ?
CMM - Uma delas foi a Lei 12.190, de janeiro de 2010, que concede indenização
por dano moral às pessoas com deficiências físicas decorrentes do uso da
Talidomida. Não foi tanto pelo valor, mas pelo reconhecimento de que erraram.
Além dessa indenização, tivemos muitas leis, conseguimos muita coisa.
RR- E quais as próximas
reivindicações ?
CMM - Agora estamos lutando para conseguir antecipação da aposentadoria. É uma
coisa que pessoas com outras deficiências também estão pedindo. Se a gente
conseguir primeiro vai dar uma abertura para as demais. Entramos também em uma
nova conversa com o governo para restabelecer o valor das pensões para que a
gente possa viver. Estamos envelhecendo e o valor está muito defasado desde a
época da revisão de 1993.
RR - Como as pessoas podem
ter acesso ao documentário ? O que a ABPST pretende fazer daqui para a frente ?
CMM - Já foi feita uma tiragem com 1.200 cópias e providenciada uma nova na
mesma quantidade. Temos enviado graciosamente aos associados, é entrar no site
e solicitar (www.talidomida.org.br). Damos prioridade para faculdades,
imprensa, entidades no exterior, mas também atendemos pessoas em geral. Vamos
jogar o documentário no YouTube dentro de um ou dois meses, o que vai dar uma
grande visibilidade. Quem sabe podemos fazer um outro documentário sobre a
falta de respeito à legislação brasileira ?
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