Atletas esperam que Paralimpíadas façam pessoas com deficiência saírem de casa
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Caso da Grã-Bretanha
é emblemático: menos de um ano após sediar os Jogos de 2012, a nação teve
aumento de mais de 30% no número de praticantes em modalidades paraolímpicas
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Torcedores acompanham as disputas da bocha na Arena Carioca 2. Foto: Francisco Medeiros/Brasil2016.gov.br |
Para
o esporte paralímpico brasileiro, o resultado final dos Jogos Rio 2016 vai além
dos pódios e das comparações de campanhas. O principal legado para os atletas
do país será fazer com que as pessoas com deficiência saiam do sedentarismo e
comecem a praticar esporte. Medalha de prata nos pares da classe BC4 da bocha
nas Paralimpíadas no Brasil, após quatro ouros no individual e por equipes em
Pequim 2008 e Londres 2012, Dirceu Pinto é representante de uma modalidade que
reúne atletas com algumas das paralisias mais severas. Nem por isso eles se
resignaram a ficar em casa.
“O
número de atletas no Brasil vai aumentar. Nós já temos várias pessoas nos
procurando para fazer o esporte paralímpico e acredito que daqui a quatro anos
o Comitê Paralímpico Brasileiro vai ter uma dificuldade grande para escolher
quais atletas levar para Tóquio”, opinou Dirceu, que tem uma doença muscular
degenerativa. Para ele, a maior divulgação na mídia sobre as competições
despertará o interesse das pessoas. “A informação de que existe esporte de alto
rendimento para deficientes, graves ou não, chegou às famílias brasileiras.
Acredito que agora eles vão sair de casa”.
Reclusão
que era vivida por Evelyn Vieira, também da bocha, e que foi medalhista de ouro
por equipes na classe BC3 nos Jogos do Rio. “Eu sou exemplo disso. O esporte
foi uma ferramenta transformadora na minha vida. Eu vivia essa realidade da
pessoa com deficiência dentro de casa, só família e estudo, sem contato com a
sociedade. Quando passei a praticar o esporte, descobri que os limites que eu
acreditava que tinha, na verdade não existiam, e passei a superá-los”.
Uma
grata surpresa para o time da bocha brasileira foi a visita da ex-ginasta e
praticante de esportes na neve, Laís Souza, que ficou tetraplégica após um
acidente enquanto treinava para as Olimpíadas de Inverno em Sochi 2014. Ela foi
à Arena Carioca 2 assistir a uma partida da modalidade e gostou do que viu.
“Ela tem espirito de atleta. Ela aceitou o nosso convite e fez o teste com a
calha da Evani (a calha é o instrumento utilizado para que os atletas com
comprometimentos mais severos realizem os arremessos)”, explicou Dirceu.
“Acredito que logo ela estará representando o nosso país, mas vamos supor que
ela só ficasse em casa vendo a vida passar. Nós perderíamos uma atleta. Outras
pessoas viram e também vão praticar as diversas modalidades”, projetou.
O
caso da Grã-Bretanha, que reúne um conjunto de países (Escócia, Inglaterra,
Irlanda do Norte e País de Gales) competindo sob a mesma bandeira, é
emblemático. Menos de um ano após sediar os Jogos de Londres 2012, a nação teve
um aumento de mais de 30% no número de praticantes em algumas modalidades
paralímpicas (hipismo, 33%; goalball, 31%; ciclismo, 25%; bocha, 23%; natação,
20% e; vôlei sentado, 20%, são os principais exemplos).
Karen
Bradley, ministra de Estado para Esporte e Cultura britânica, durante encontro
com ministro do Esporte, Leonardo Picciani. Foto: Gabriel
Heusi/Brasil2016.gov.br
O
resultado foi que os britânicos, que já haviam conquistado um excelente
resultado em casa, terminando em terceiro com 120 medalhas (34 ouros, 43 pratas
e 43 bronzes), nos Jogos Rio 2016 melhoraram o desempenho e ficaram em segundo,
com 147 pódios (64 ouros, 39 pratas e 44 bronzes). “O sucesso nos Jogos do Rio
começou depois que as pessoas acompanharam de perto as competições em Londres.
Isso despertou essa paixão pelo esporte. Muitas pessoas vieram falar comigo e
disseram que após os Jogos ficaram motivadas a praticar alguma atividade,
porque há tempos não se exercitavam”, revelou Karen Bradley, ministra de Estado
para Esporte e Cultura britânica.
Outro
ponto importante foi como os próprios deficientes passaram a enxergar a sua
condição. “As pessoas com deficiência viram que elas também poderiam se tornar
aqueles seres humanos que faziam coisas incríveis. Elas viram de perto e
passaram a ter certeza de que o país inteiro era acessível a elas”, opinou
Bradley. No dia Nacional Paralímpico britânico de 2013, uma pesquisa foi feita
com 18 mil pessoas e 37% dos entrevistados disseram que foram inspirados a
fazer um esporte que não praticavam anteriormente como consequência direta da
data, na qual são realizados diversos eventos.
Viés
de alta
O
presidente do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB), Andrew Parsons, pretende
manter uma agenda grande de eventos e trabalhar com os principais atletas para
que o paradesporto no país continue a crescer. Candidatos ao posto de ídolo não
faltam, ainda mais que o Brasil diversificou o número de modalidade com
medalhas. “Sempre falavam em atletismo e natação, agora nós medalhamos em 13
modalidades, algumas inéditas, como halterofilismo, ciclismo, vôlei sentado e
canoagem, outras que voltam a medalhar como hipismo e tênis de mesa, que também
teve a sua primeira medalha no individual. É um bom sinal que a gente consegue
diversificar e atrair atletas para essas modalidades. As medalhas atraem e as
pessoas têm seus ídolos”, analisou.
Andrew
também elenca as iniciativas da entidade para que novos talentos surjam. “A
gente já faz um programa de atendimento na base com a Paralimpíada Escolar e um
programa grande de capacitação de profissionais de educação física das redes
públicas municipais e estaduais de ensino, para que eles recebam as crianças
com deficiência na sala de aula. Temos várias iniciativas para aproveitar este
momento de alta, mas também para sermos capazes de receber essa demanda, porque
não adianta as crianças quererem fazer esporte e não haver profissionais que
saibam recebê-las”.
Se na
base o país conta com essas iniciativas, que incluem ainda as diversas
associações, clubes e entidades que direcionam as pessoas para a iniciação
esportiva, no alto rendimento o grande legado em infraestrutura das Paralimpíadas
Rio 2016 é o Centro de Treinamento construído em São Paulo, com estrutura de
ponta capaz de abrigar as seleções de 15 diferentes modalidades.
Outro olhar
A visibilidade que o esporte paralímpico
recebeu durante o megaevento sediado em Londres mudou a maneira como os
britânicos viam os deficientes. “A luta pelo direito à acessibilidade teve uma
incrível visibilidade com os Jogos Paralímpicos. As pessoas não estavam
assistindo apenas esportes, mas queriam ver aqueles seres humanos
inacreditáveis, que mostravam que não é porque eram deficientes que não seriam
capazes de fazer as coisas impressionantes que eles faziam”, comentou Bradley.
Uma pesquisa feita pela British Paralympic
Association (BPA) indicou que os Jogos Paralímpicos tiveram grande efeito sobre
as crianças: sete entre dez mudaram a forma como enxergavam os deficientes.
Entre os adultos, o percentual em entrevista sobre o mesmo tema realizada após
a Cerimônia de Encerramento foi de 81%. A ministra britânica acredita que o
mesmo pode ocorrer no Brasil. “Eu vi os brasileiros celebrando, curtindo as
Paralimpíadas e compartilhando a felicidade daqueles atletas. Tenho certeza de
que as milhares de pessoas que viram as mais incríveis performances na Cerimônia
de Encerramento, com os músicos e dançarinos com deficiência, mostrando o que
pode ser alcançado, vão querer que voltem eventos como esse e vão ajudar a
cidade a ser um lugar mais acessível”.
O craque da seleção brasileira de futebol
de 5, Ricardinho, que conquistou o tetracampeonato paralímpico nos Jogos Rio
2016, acredita em uma mudança no comportamento dos não deficientes em relação
às pessoas com deficiência, mas acha que será um processo lento. “O primeiro
legado que vai ficar é que as pessoas estão conhecendo mais de perto o
deficiente, viram que somos profissionais do esporte e que a gente tem êxito no
que faz. Só que nosso país precisa melhorar muito a acessibilidade. Se temos
vários problemas sociais, imagina quando entra em uma área ainda mais restrita,
que é a da pessoa com deficiência. Acredito que possa ter uma mudança, vai ser
lenta, mas o resultado que tivemos vai ser importante até para que as pessoas,
ao encontrarem um deficiente, ajam de forma diferente”.
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Novos ídolos: atletas do tênis de mesa em cadeira de rodas comemoram bronze com a torcida. Foto: Francisco Medeiros/ME |
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Dirceu no pódio (à esq. no alto), Laís Souza durante evento nas Paralimpíadas (à esq. abaixo) e Evelyn realizando arremesso com a calha (à dir.). Fotos: Brasil2016.gov.br |
Gabriel Fialho
Fonte: Brasil2016
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